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Educação humanitária*

A educação humanitária é, acima de tudo, uma ferramenta prática, de aplicação diária. Ela nos instiga a permanentemente pensarmos sobre o impacto de nossas ações em todos os seres que nos rodeiam: seres humanos, animais, água, plantas e outros elementos da natureza, à qual todos pertencemos.

A educação humanitária surgiu por volta de 1860, nos EUA, como parte dos esforços de instituições ligadas à proteção animal, especialmente as sociedades humanitárias (humane societies), para estimular nas crianças a empatia pelos animais. Com o tempo, a educação humanitária foi aumentando sua abrangência a partir do reconhecimento de novos grandes dilemas que a sociedade humana enfrenta, incluindo, além da preocupação com os direitos dos animais, os direitos humanos, meio ambiente e cultura.

O que é educação humanitária?

A educação humanitária é um conjunto de conhecimentos, ferramentas e estratégias visando ensinar a respeito de direitos humanos, direitos dos animais, meio ambiente e assuntos culturais como dimensões integrais e interconectadas de uma sociedade justa e saudável. É uma lente pela qual é possível enxergar o mundo de forma crítica e compassiva. Ela não apenas estimula o desejo e a capacidade de viver com compaixão, integridade e sabedoria, mas também oferece conhecimento e ferramentas para colocar nossos valores em prática de maneira significativa e abrangente, de forma que possamos encontrar soluções que beneficiem a todos.

A educação humanitária pode ser aplicada não apenas em espaços formais de ensino — como as escolas —, mas também em ambientes não formais, e é direcionada para qualquer faixa etária.

Quais são as principais orientações da educação humanitária?

A educação humanitária tem quatro elementos principais, que servem como um guia principal
em programas, currículos e cursos. São eles:

Fornecer aos estudantes conhecimento (informação precisa) para que possam entender o impacto de seus atos como consumidores e cidadãos;
Promover os 3 Cs (curiosidade, criatividade e crítica) para que os estudantes possam avaliar
informações e resolver problemas;
Introduzir os 3 Rs (reverência, respeito e responsabilidade) para que os estudantes tenham
comportamento gentil, compassivo e íntegro;
Oferecer aos estudantes escolhas positivas que beneficiem a si mesmos, a outras pessoas, aos
animais e ao planeta, para assim se sentirem encorajados a ajudar a construir um mundo melhor.

A educação humanitária propõe atividades/vivências para o cotidiano? Se sim, quais?

A presidente e cofundadora do Institute for Humane Education (IHE), Zoe Weil, criou um princípio que sintetiza esse pensamento crítico que, segundo a educação humanitária, diariamente devemos ter. É o princípio do “maior bem e menor impacto”, ou seja, escolher sempre as ações que causem o maior bem e o menor impacto a nós mesmos, a outras pessoas, aos animais e ao meio ambiente. Na escolha entre duas opções de uma peça de roupa, por exemplo, poderíamos pensar: qual delas causa o maior bem e o menor impacto? Uma roupa de algodão tingida normalmente, produzida na China e mais barata, ou uma roupa de algodão orgânico colorida naturalmente e produzida no Brasil, porém um pouco mais cara?

Quando causamos o maior bem e o menor impacto em nossas ações diárias, nós criamos uma grande paz, interna e externamente.

De que forma a educação humanitária pode influenciar na pedagogia? É possível aplicar princípios da educação humanitária em um contexto de educação formal?

A educação humanitária pode ser incluída em currículos já existentes — nas áreas de ciências sociais, artes, matemática, português ou qualquer outra disciplina — ou ser ensinada em programas especiais no contraturno, por exemplo. Nos EUA, o IHE está planejando a abertura de uma escola exclusivamente focada em educação humanitária, em Nova York, e que se chamará Solutionary School (“Escola de Solucionários”).

A inserção da educação humanitária pode tornar as aulas mais significativas tanto para os estudantes quanto para os professores.

Há uma relação direta entre educação humanitária com alimentação e tratamento de animais? Essa relação pode variar de acordo com diferentes tradições de educação humanitária?

Sim, uma vez que a educação humanitária nos estimula a ampliar nosso círculo de compaixão, incluindo todos os seres que, conosco, compartilham este planeta e que, como nós, também têm o direito de viver nele. Ela nos instiga a pensar sobre os bastidores, sobre tudo o que envolve nossas ações e quais são seus impactos. Então a educação humanitária nos convida a considerar o que envolve nossa alimentação atual, a olhar os bastidores e nos perguntarmos o que há por trás do que comemos, e incluir nisso o tratamento dado aos animais. A educação humanitária não impõe uma escolha, mas preconiza que precisamos ter informação precisa sobre todas as consequências do nosso ato. A alimentação é uma delas. Quando olhamos um bife no prato, refletimos sobre tudo o que está envolvido nisso?

É preciso ressaltar que a verdadeira educação humanitária não tem um ponto de vista bem-estarista com relação aos animais, mas sim um olhar de libertação. O conceito bem-estarista argumenta que, desde que o animal tenha sido bem tratado, ou seja, tenha tido um “bem-estar” em vida, ele poderia ser morto para alimentação, o que não é a concepção da verdadeira educação humanitária, que sustenta que todos os seres têm direito à vida.

*Por Lis Vieira Dias, jornalista e educadora humanitária

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