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Animais tratados como pessoas no drama ecológico

Pintura de José Acuña

Na catástrofe ecológica na região brasileira do Rio Grande do Sul, com centenas de mortos e quase um milhão de desabrigados de suas casas, surgiu um caso único na operação de resgate de vítimas arrastadas pelas águas. Pela primeira vez, a mesma atenção que tem sido dada, tanto pelas autoridades quanto pelos voluntários, para salvar vidas de pessoas foi demonstrada no resgate de animais domésticos e selvagens.

Até o momento, mais de 12 mil animais foram salvos da morte. Além disso, os feridos têm sido atendidos por veterinários com o mesmo interesse que as pessoas nos hospitais, enquanto caminhões e aviões carregados de alimentos chegam para eles de todo o país. Isso levou o colunista Eduardo Affonso, do jornal O Globo, a afirmar: “Aos poucos vamos percebendo que tudo que é vivo nos importa. A próxima revolução, a dos animais, já começou”.

Uma mudança no Brasil na valorização e na dignidade que os animais merecem começou de alguma forma com a posse do novo presidente Lula da Silva, a quem seu antecessor, Jair Bolsonaro, se recusou a dar a tradicional faixa de comando. Janja, esposa do presidente, organizou uma comissão formada por anônimos para entregar o poder, representantes de categorias normalmente ignoradas pelos detentores do poder, desde um catador de lixo, uma indígena e até a cachorra de sua família, chamada Resistência.

Dessa vez, na nova tragédia ecológica, a família presidencial teve um papel importante no resgate dos animais, dando-lhes a mesma atenção e importância que as pessoas. Isso tornou evidente que é cada vez mais real nas pesquisas sobre a inteligência do que chamamos de animais que talvez o Homo sapiens não seja tão diferente deles e, em alguns aspectos, os animais possam até ser muito superior a nós.

Ao escrever este artigo, lembro-me há muitos anos de uma das colunas do brilhante Manuel Vicent. Foi um ano de Jogos Olímpicos. Com a fina ironia que o caracteriza, riu dos esforços “subumanos” que durante um ano inteiro os candidatos a competir nas Olimpíadas fizeram para conseguir alguns décimos de segundo na corrida de 100 metros ou para vencer por algumas braçadas numa piscina olímpica. Vicent, maliciosamente, escreveu que deveríamos rir daqueles esforços de uma lebre ou de um simples peixe que venceriam as corridas sem precisar de um ano de esforço físico.

E cada vez mais o orgulhoso Homo sapiens começa a perceber que os animais, todos e não apenas os mamíferos, sabem sentir e amar, por vezes, tanto ou mais do que os chamados humanos. É uma consciência que tanto os cientistas quanto quem convive com os animais começam a ter. Hoje sabemos que a grande maioria do que chamamos de insetos, até mesmo formigas, possui uma série de qualidades que nos faltam. Pense no que precisamos para voar no espaço e como é fácil para uma águia ou um simples pintassilgo.

A novidade que está surgindo no Brasil durante essa tragédia natural para salvar animais em perigo e cuidar deles e também das pessoas começou com a imagem que correu o mundo do cavalo batizado de Caramelo por causa da cor de sua pele, que ficou três dias preso no telhado de uma casa meio destruída sem conseguir descer.

O primeiro a reagir emocionalmente a essa imagem terna e dolorosa ao mesmo tempo foi o presidente Lula, que comentou que não conseguia dormir pensando na solidão e no desespero de Caramelo e, junto com sua esposa Janja, pediu ajuda ao Exército para resgatá-lo o mais rápido possível. E o cavalo acabou sendo um símbolo. Desde então, a atenção dos serviços de emergência aos animais em perigo duplicou e chegaram à região aviões de alimentação para os milhares de animais resgatados, muitos deles feridos.

Essa nova consciência da dignidade dos animais está a crescer hoje no mundo e novas descobertas sobre o cérebro estão a revelar que nós, as chamadas pessoas, não somos tão diferentes em nossos sentimentos e capacidades da grande maioria dos animais. Nós os consideramos inferiores e durante séculos foram tratados como seres com quem poderíamos até nos divertir em jogos sangrentos. Pouco mais que objetos.

Talvez junto com essa nova consciência sobre as qualidades e a importância dos animais, de todos aqueles que Francisco de Assis chamou de “nossos irmãos”, devêssemos começar a mudar a linguagem sobre eles. Costumamos dizer que nós, os chamados humanos, somos “seres pensantes”. Os animais não pensam? Pergunte aos meus gatos Babel e Luna, cujas reações às vezes deixam eu e minha esposa congelados por serem sofisticadas. É por isso que às vezes dizemos que “eles parecem humanos”. E se um dia se descobrisse que, em muitos aspectos, esses animais teriam muito a nos ensinar, humanos orgulhosos?

Fonte: El País (traduzido por Metrópoles), texto de Juan Arias

NOTAS DO INSTITUTO NINA ROSA

  1. Lembramos que os animais não humanos não são apenas gatos, cavalos, cães e outros tantos silvestres e aquáticos, a quem o ser humano tem o instinto de proteger e se revolta quando fica sabendo de alguma violência praticada contra eles. Bois/vacas/bezerros, galinhas/galos/frangos/pintinhos, porcos, perus, peixes, entre outros — que a maioria das pessoas consome sem se importar com a violência, dor, sofrimento e morte presentes nessa refeição — são igualmente sencientes e merecem nosso respeito e proteção (começando por não comê-los).

2. Leia também:

Consciência em animais humanos e não humanos: a Declaração de Cambridge

Especismo

Que Caramelo tenha um final realmente feliz — e nós também

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